Dra. Luzia já leu mais de mil decisões judiciais e gerou petições a partir de cada uma delas em menos de dois minutos, diz Alexandre Rodrigues, diretor de operações na startup Legal Labs.
Especialista em execuções fiscais, ela é, na realidade, um software desenvolvido pela companhia.
Luzia foi programada para trabalhar em procuradorias da Fazenda. Sabe interpretar decisões relacionadas à
cobrança de tributos e tomar ações como pedir a penhora de um bem do devedor. Derek Oedenkoven, sócio da Tikal Tech, que desenvolveu robôs que geram petições – Danilo Verpa/Folhapress
A automação da atividade é possível porque, em geral, o conteúdo das decisões é parecido. Mudam os nomes, os valores e os bens disponíveis, mas a lógica é a mesma.
Lê-las uma a uma é um trabalho que toma muito tempo de humanos, que poderiam se dedicar a processos mais complexos e importantes, na avaliação de Rodrigues.
A evolução de softwares baseados em inteligência artificial como esse promete transformar a rotina de advogados e provocar grandes consequências no mercado de trabalho.
Alexandre Pacheco, professor da faculdade de direito de São Paulo da FGV, diz que o avanço tecnológico afetará profissionais em início de carreira e os que, por terem uma formação menos completa ou dificuldade de conseguir clientes, se dedicam a atividades simples e repetitivas.
Por outro lado, profissionais preparados para lidar com temas complexos e que exigem habilidades sociais, relacionamento e técnica seguirão requisitados, diz Marina Feferbaum, da mesma faculdade.
Segundo Pacheco, o avanço tecnológico vem sendo impulsionado pela demanda das grandes empresas por mais produtividade e qualidade nos serviços jurídicos.
Esse é o principal público da startup Linte, que criou sistema para automatizar a produção de documentos, como propostas comerciais, contratos de aluguel e acordos de confidencialidade.
Gabriel Senra, fundador da companhia, afirma que as empresas clientes ensinam ao sistema a lógica e os parâmetros que devem ser adotados em cada uma dessas situações.
Treinada sua inteligência, o software passa a funcionar como guia para quem o usa. Na hora de elaborar um documento, ele vai fazendo perguntas sobre o assunto e, quando tem as informações necessárias, entrega o arquivo pronto.
Isso permite que um profissional que não é advogado, da área de suprimentos, por exemplo, elabore um contrato no momento de adquirir algo de seu fornecedor, só interagindo com o sistema, diz Senra.
O empreendedor ressalva que a ideia não é, com isso, diminuir o trabalho de advogados. Sua visão é que eles não devam gastar tempo com o que é operacional. Em vez disso, devem se dedicar ao que é estratégico para a empresa.
Nessa direção, a startup Tikal Tech decidiu desenvolver robôs que acelerem a criação de ações em casos frequentes.
Neste mês, lançou sistema que interage com o advogado e, a partir das respostas, gera petição inicial para ação trabalhista, calculando o valor a ser pedido na Justiça.
“Partimos do pressuposto de que o Brasil tem uma centena de milhões de processos e que não existe essa mesma quantidade de assuntos em discussão. Muita coisa na Justiça é repetitiva”, diz Derek Oedenkoven, sócio da empresa.
Segundo ele, há casos repetitivos que podem ser automatizados em áreas como direito tributário e administrativo, elaboração de inventário, ação de despejo, contratos de aluguel, compra e venda e multa de trânsito.
Angelo Caldeira, presidente da empresa Looplex, diz que, com o sistema de sua startup, baseado em inteligência artificial, é possível criar uma petição em casos simples (como ações relacionadas a direito do consumidor) em cinco minutos, em vez de duas horas.
“Queremos fazer o advogado muito mais produtivo e fazer a vida dele melhor, sem copia e cola, recorta e cola”, diz.
O empresário diz acreditar que, no futuro, além das petições, julgamentos também poderão ser feitos com auxílio da tecnologia.
“O juiz não vai precisar dizer mil vezes a mesma coisa em ações iguais, o sistema vai passar a prever a decisão”, diz.
Por outro lado, Caldeira diz que, em vez de gerar desemprego, a tecnologia irá baratear os serviços e, com isso, torná-los acessíveis a quem hoje não pode pagar por eles.
Rita Cortez, presidente do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), diz ser favorável à tecnologia quando ela ajuda profissionais a gerir seu trabalho, mas ressalva que ela não deve buscar substituí-los.
“Como o robô tem condições de dar, em sua plenitude, uma orientação jurídica? Como ele vai prever todas as hipóteses de um caso?”